15/09/2009

Ciclos da amizade

(Para a J.)

As amizades podem ser de ciclo longo ou de ciclo curto. Não demoramos muito tempo a perceber a que ciclo pertence uma amizade. À medida que nos enfiamos nela, cada vez mais metidos e sintonizados, pode acontecer sermos surpreendidos por reservas crescentes, insídias interiores; pode acontecer começarmos a engendrar desculpas, a avisar que hoje trabalhamos até tarde e que não esperem por nós. É um sinal de que estamos a trair essas amizades com outras. As amizades de ciclo curto não morrem por falta de empatia mas por desinteresse e engano. Nós passamos a vida enganar-nos - nos empregos, nos casamentos, nas decisões. Porque é não haveríamos de nos enganar nas amizades?

As amizades de ciclo longo alimentam-se de outra resistência. Podemos ser vítimas de ilusões e decepções nessas amizades, mas eles não nos apanham completamente desprevenidos nem os tomamos como deslealdades. Como se a imperfeição que encontramos nos nossos amigos se ajustasse à nossa própria imperfeição. Nesse sentido, as amizades de ciclo longo acabam por sobreviver ao tempo e à lei do esgotamento humano: supõem a aceitação recíproca e constante de imperfeições comuns. 

As amizades de ciclo curto fazem, digamos, a História das amizades. Mesmo que uma amizade de ciclo curto passe a inimizade de ciclo longo, a amizade anterior existiu mesmo e não convém repudiá-la retroactivamente. O anacronismo é o problema de carácter dos maus historiadores.

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