19/10/2009

Em defesa da rotina

Joseph Brodski em "In Praise of Boredom" (tem o meu voto para o concurso dos melhores ensaios de sempre):

But, whether rich or poor, you will inevitably be afflicted by monotony. Potential haves, you'll be bored with your work, your friends, your spouses, your lovers, the view from your window, the furniture or wallpaper in your room, your thoughts, yourselves. Accordingly, you'll try to devise ways of escape. Apart from the self-gratifying gadgets I mentioned before, you may take up changing your job, residence, company, country, climate; you may take up promiscuity, alcohol, travel, cooking lessons, drugs, psychoanalysis.

In fact, you may lump all these together, and for a while that may work. Until the day, of course, when you wake up in your bedroom amidst a new family and a different wallpaper, in a different state and climate, with a heap of bills from your travel agent and your shrink, yet with the same stale feeling toward the light of day pouring through your window.

É da natureza da amizade ser monótona, cansativa, repetitiva. Sempre os mesmos amigos, os mesmos temas, as mesmas conversas. Ao fim de algum tempo cansamo-nos mesmo dos amigos; e precisamos de outros como cura para esse aborrecimento. Até nos aborrecermos outra vez e irmos à procura dos primeiros, como se aquele distanciamento nunca tivesse ocorrido nem sequer na nossa cabeça. Nas amizades mais sólidas andamos sempre a largar e a reencontrar os mesmos amigos. A amizade não é um desporto radical.

A amizade também funciona a pilhas; liquida-se em prestações suaves; cria rotinas por consentimento mútuo. Todos aqueles que abominam rotinas costumam dar-se mal com a monotonia da amizade. Já vi muita gente perder-se apenas porque interpretou os primeiros sintomas de saturação na amizade como decadência irremissível, começando a agir como se a amizade estivesse no fim. Os amores monótonos podem ser amores em crise; mas as amizades monótonas não são amizades em crise. São amizades robustas e prontas para se cansarem tantas vezes quanto for possível. Quando começarem a sentir a superstição da monotonia na amizade só têm uma coisa a fazer: desligar o telefone, dizer as despedidas. É um pouco aquilo que Jorge Luís Borges dizia: "hoje fingimos que nos separamos, mas ver-nos-emos amanhã".

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