30/09/2009

Regimes despóticos




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A amizade e o amor são ambos despóticos nas suas exigências. O amor é um despotismo absoluto; a amizade um despotismo benevolente.

Felizmente, outros foram capazes de o dizer melhor do que eu:

The friend is similar to the lover in his recognition of his incompleteness and his need for exclusive attachment to another human being in order to attain fulfillment. Friendship, too, is imperious in its demands, but the experience of friendship is gentler, soberer, without frenzy. It, unlike love, is necessarily reciprocal. You can love without being loved in return, but you cannot be the friend of one who is not your friend. Friendship, which seems for a variety of reasons to be easier, is actually rarer. Its pleasures are wholly spiritual, and the self-overcomings required for it are not powered by bodily passions.

Allan Bloom, Love and Friendship

Amigos passionais

O trágico da vida na amizade é que nem sempre se distingue, com clareza, da vida no amor. Muitas vezes, a vida na amizade enfrenta reacções, medos ou ansiedades que são semelhantes aos da vida no amor. É como se a amizade ambicionasse a ser mais daquilo que é e acabasse vítima dos mesmos males que costumamos encontrar no estado amoroso: ciúmes, sentimento de posse, desconfiança, queixumes, reclamações. Amigos ciumentos, possessivos, desconfiados, ressentidos, são o que mais há por aí. Ninguém disse que a amizade, tal como o amor, não implicava misteriosos perigos passionais.

Quando estamos apaixonados, a primeira das nossas inquietações é não termos certeza se vamos ser correspondidos. Se ao menos nos amarem tanto como nós dizemos que amamos, não haverá ressentimentos contra ninguém e o amor durará resistentemente o tempo todo. Quando somos amigos, a nossa dúvida mais profunda é se gostarão de nós com o mesmo grau de aceitação que estamos dispostos a partilhar. Se ao menos formos recebidos como queremos receber, se nos aceitarem na proporção do que nós aceitamos, poderemos ficar tranquilos que a amizade será uma experiência limpa e sem remorsos.

Na amizade e no amor, estamos sempre à espera que nos correspondam, que nos tragam o que ainda não temos, que satisfaçam os nossos desejos de reciprocidade.  

E se isso não acontecer, o mais certo é que ficaremos mesmo ressentidos, amargos, conflituosos. Amigos passionais que a qualquer altura largarão as suas frustrações.

Bem sei que ninguém mata por amizade, ao passo que as cadeias estão cheias de amores não correspondidos. Mas é só porque nas amizades frustradas o desespero é mais contido. No resto, podem crer que os amigos passionais e os amantes passionais fermentam na mesma incubadora de ódio. 

29/09/2009

A cada um o seu lugar

Às vezes os amigos confrontam-nos sobre outros amigos, perguntando, num tom de censura e desilusão, como é que podemos ser amigos deles, como é que explicamos a nossa notória incoerência. 

Claro que são eles os incoerentes; são eles que não percebem que a amizade não é um concurso de lógica mas uma experiência intencionalmente desordenada e irracional. As amizades contraditórias são mais que necessárias: são as únicas possíveis. 

"Quem sou eu?" não é pergunta que se faça na amizade. Os amigos devem ter a delicadeza de deixar essa pergunta suspensa. A cada um dos nossos amigos o seu exacto lugar. 

28/09/2009

Os amigos dos amigos

Na taxonomia das amizades, os amigos dos amigos são talvez a categoria mais equívoca. Não são nossos amigos, mesmo por inerência, mas também não são meros conhecidos, daqueles que vemos de passagem na rua e agraciamos por polidez. Os amigos dos amigos deviam ser em teoria também nossos amigos. Por extensão, por lógica, pela natureza das coisas. Mas quase nunca é assim. E se na maioria dos casos os amigos dos amigos não passam para nós de completos estranhos é talvez porque aquilo que vemos nos nossos amigos é só uma parte ampliada do que eles são. Com algumas excepções, a amizade é sempre uma escolha selectiva, porque escolhemos os amigos contra outras pessoas mas também, coisa irónica, porque os escolhemos contra eles próprios. 

26/09/2009

Bússola eleitoral

Patriotas. My country, right or wrong. 

Democratas. My party, right or wrong. 

Mafiosos. My friends, right or wrong. 

25/09/2009

Camaradas














There are no friendships at the top. -
Lloyd George.

Pode haver na amizade na política? Pode. Mas nunca sobrevive muito tempo à força devoradora da ambição. Este magnífico livro do historiador inglês Graham Stewart explica o mais recente caso das escutas a Belém lido e analisado a partir de três casos semelhantes que ocorreram em Inglaterra, França e Estados Unidos. Sim, a política dá cabo da amizade. A História repete-se.

24/09/2009

As amizades especializadas

Isso que chamamos de eu é o quê? Todos precisamos de amizades especializadas. Pessoas que criam amizades com propósitos definidos: praticar natação sincronizada, ouvir a música do Cat Stevens, debater programas políticos. Os amigos servem para certas alturas, no sentido rigoroso em que aquilo que fazemos com uns, não fazemos com outros. Não existem limites à especialização. Os amigos do ténis ou de qualquer passatempo domingueiro não são os que encontramos nos congressos sobre poesia francesa. A vida é pensada e organizada como uma colecção de ficheiros. E a única maneira de garantir a sobrevivência dessas amizades diferenciadas, como lhes chamou Simmel, é evitar que elas se misturem, que se contaminem pelo conhecimento recíproco. As amizades especializadas impõem-nos uma cultura do segredo para nos protegermos e para protegermos os nossos amigos. Não são fáceis de gerir. Mas sem amizades especializadas não pode existir sociedade. 

Aforismos de campanha

Amizade não dispensa boas maneiras.

Se somos inseguros, continuaremos inseguros. Com amigos ou sem amigos.

Amigo não é quem acha que nos pode dizer tudo; amigo é quem sabe dizer o que nos deve dizer.

23/09/2009

O melhor amigo

Mas em António e Cleópatra, Marco António tem ainda outro amigo, Enobarbus, que se distingue de todos os outros. Enobarbus é o único amigo de Marco António que lhe pode falar em privado, usando de alguma intimidade e liberdade. Depois, enquanto os outros reprovam a "asfixia amorosa" que Cleópatra representa, Enobarbus aparece sobretudo como o primeiro defensor da paixão suicida. 

Enobarbus só tem, de facto, elogios para Cleópatra.

...her passions are made of nothing
but the finest part of pure love.

E só tem elogios para a relação entre os dois, que o resto do mundo maldiz.

When she first met Marc Anthony, she 
pursed up his heart, upon the ryver of Cydnus.

Os críticos de Shakespeare, segundo sei, interpretam que talvez o próprio Enobarbus estivesse apaixonado por Cleópatra. Não entro na polémica, embora me pareça plausível. Os melhores amigos disputam às vezes, com consequências trágicas, as mesmas mulheres. Todos os dias nos jornais saem casos desses.

Mas aqui, mais do que isso, interessa-me o papel de Enobarbus como o melhor amigo de Marco António. O único com permissão para dizer a Marco António, com tacto e liberdade, tudo o que os outros não dizem. O único que acredita na felicidade lúdica que Marco António está a viver com Cleópatra, como se fosse a sua. Reconhecem os vossos melhores amigos?



22/09/2009

As duas fidelidades

A primeira vez que encontramos Marco António e Cleópatra, logo no começo da tragédia, ouvimos o julgamento severo dos amigos. Admiram Marco António, recordam os seus feitos, a sua impecável coragem. Mas, ao verem-no num estado epiléptico por Cleópatra, profetizam que essa relação o acabará por destruir. Os amigos temem que Marco António se afaste dos seus deveres e responsabilidades, perdendo-se numa vida de imoderação amorosa, pondo em risco a segurança de Roma. E tudo por um delírio.

Na verdade, esse receio é justificado. Apaixonado por Cleópatra, Marco António subverte num instante todas as suas relações. Há uma cena memorável em que um mensageiro vindo de Roma visita Marco António no Egipto e Cleópatra percebe que ele fica oprimido por receber notícias de Roma, como se estivesse dividido entre duas fidelidades: a sua fidelidade a César (ou à mulher que deixou) e a sua fidelidade a ela, Cleópatra. 

Uma mulher nestas alturas, o que faz? A arte da manipulação, pois claro. Cleópatra, ciumenta, tenta atrair toda a atenção de Marco António. E ele, para a tranquilizar, repete estes versos famosos:

Let Rome in Tiber melt, and the wide arch
Or the rang'd empire fall! Here is my space

Que é como quem diz: Roma que se afunde no Tibre, o Império também se pode lixar e eu, como diz o outro, por aqui fico. Este é o meu espaço. Já não sou Marco António.

António e Cleópatra


É possível que Cleópatra só quisesse salvar o Egipto, jogando tudo para seduzir Marco António e virá-lo contra o poder de Roma. Ninguém sabe o que pensa uma mulher. Embora fosse um político experiente, Marco António era demasiado vulnerável à lisonja feminina. Era um pinga-amor na política, como também os há. Gozando de grande prestígio no Egipto cujas províncias administrava, António foi recebido por Cleópatra num banquete que só podia trazer água no bico. Encamou com ela logo na primeira noite. 

Na tragédia de Shakespeare, António e Cleópatra, por sinal depois de Hamlet a peça de que mais gosto, somos atirados para dentro de um conflito que põe em risco o Império Romano. Shakespeare localiza a tragédia na paixão destruidora entre duas figuras históricas: Cleópatra e Marco António. Sozinhos, os dois já são temíveis por si; unidos num erotismo que move montanhas, formam um par ainda mais poderoso que ameaça Roma e promete recompor o mundo. 

À superfície, este é um conflito entre Roma e o Egipto, entre o Ocidente e o Oriente ou entre Marco António e Octávio, o seu amigo-inimigo no triunvirato, que declara guerra ao par amoroso e acaba no fim por vencer Marco António (na batalha de Accio, na foto). De facto, é isso tudo. Mas a relação de forças que Shakespeare pretende mostrar é bastante mais complexa para ser resumida a esse choque de civilizações. É a oposição entre um mundo político, racional e organizado e outro mundo dominado pelo prazer, indisciplina e a instabilidade do amor físico. Na peça de Shakespeare a ameaça maior que pesa sobre Roma não vem dos outros impérios nem dos outros exércitos. Vem do móvel metafísico que é a cama de António e Cleópatra.

Tão longe vai essa oposição, esse móvel metafísico, que Marco António, por causa de Cleópatra, abandona tudo: a própria mulher, a participação no triunvirato, a antiga fidelidade a Roma, o prestígio adquirido como militar nas campanhas do Império. E claro: também abandona os amigos. Porque o prazer repetitivo que existe na amizade não se compara ao prazer primitivo que se retira do amor. E António e Cleópatra capta na perfeição esse duelo inglório entre o amor e a amizade. Um duelo que a amizade está sempre a perder. 


20/09/2009

Amizade kitsch

A amizade também sobrevive dos seus próprios clichés.

E digo-te isto como teu amigo.

És um amigo verdadeiro.

Amigo não empata amigo. 

Precisamos de ir repetindo, em alturas contadas, os clichés da amizade. É como se na amizade, tal como no amor, também houvesse um inevitável lado kitsch, toda uma estética exagerada e meio pirosa a que não podemos fugir. Precisamos sempre dessa estética até como demonstração da amizade. Amizade não é literatura russa.

19/09/2009

Sete Sombras

Sete Sombras dedica-se ao estudo da amizade em Portugal continental e ilhas. Estudamos todos os tipos de amizades, sem distinções de natureza ou importância, incluindo amizades políticas, amizades dramáticas, amizades não correspondidas e amizades em crise. Temos formação adequada e larga experiência no campo em todos os estratos sociais. Fomos bem sucedidos umas vezes; noutras acumulámos uma dose razoável de fracassos. Gostamos de crises e em especial da palavra 'crise'. Pensamos pela positiva, pela negativa e ocasionalmente pela indiferença. Pós-graduados pela universidade de Verão do Iowa, recebemos encomendas, fazemos consultas online, escrevemos posts a pedido. Não prometemos lá chegar mas esforçamo-nos por ir. Agradecemos o vosso tempo.

17/09/2009

Juízes

O amigo a quem contamos as nossas tribulações amorosas assume-se por vezes como um fanático da racionalidade e sensatez. Se estivesse no nosso lugar cometeria de certeza os mesmos erros, passaria pelas mesmas dúvidas. Mas, vendo-nos de fora à distância do médico que sabe que a dor do doente não o afecta, só consegue é transformar-se num cartesiano, num juiz incontinente.

16/09/2009

O melhor amigo

OLHOS............................................Normais
CABELO..........................................Normal
PESO...............................................Médio
ESTATURA......................................Mediana
SINAIS IDENTIFICADORES......................Nenhum
NÚMERO DE DEDOS NAS MÃOS............10
NÚMERO DE DEDOS NOS PÉS.................10
INTELIGÊNCIA.....................................Mediana

De que é que estavam à espera? Heroísmo? Altruísmo? Saliva verde?

15/09/2009

Ciclos da amizade

(Para a J.)

As amizades podem ser de ciclo longo ou de ciclo curto. Não demoramos muito tempo a perceber a que ciclo pertence uma amizade. À medida que nos enfiamos nela, cada vez mais metidos e sintonizados, pode acontecer sermos surpreendidos por reservas crescentes, insídias interiores; pode acontecer começarmos a engendrar desculpas, a avisar que hoje trabalhamos até tarde e que não esperem por nós. É um sinal de que estamos a trair essas amizades com outras. As amizades de ciclo curto não morrem por falta de empatia mas por desinteresse e engano. Nós passamos a vida enganar-nos - nos empregos, nos casamentos, nas decisões. Porque é não haveríamos de nos enganar nas amizades?

As amizades de ciclo longo alimentam-se de outra resistência. Podemos ser vítimas de ilusões e decepções nessas amizades, mas eles não nos apanham completamente desprevenidos nem os tomamos como deslealdades. Como se a imperfeição que encontramos nos nossos amigos se ajustasse à nossa própria imperfeição. Nesse sentido, as amizades de ciclo longo acabam por sobreviver ao tempo e à lei do esgotamento humano: supõem a aceitação recíproca e constante de imperfeições comuns. 

As amizades de ciclo curto fazem, digamos, a História das amizades. Mesmo que uma amizade de ciclo curto passe a inimizade de ciclo longo, a amizade anterior existiu mesmo e não convém repudiá-la retroactivamente. O anacronismo é o problema de carácter dos maus historiadores.

Parábola da amizade


Pensemos no duplo do cinema. Em toda a amizade há sempre algo que sugere a relação entre um actor que faz cenas perigosas e o duplo que o substitui. A função do duplo, como sabemos, é libertar o actor dos riscos envolvidos nas cenas mais violentas, perseguições, escaladas, saltos mortais; riscos que o actor não pode ou não é capaz de assumir. Duplo e actor dependem por isso um do outro. O duplo oferece a sua destreza, enquanto sem actor não há sequer filme. Tal como na amizade, existe aqui uma certa transacção. Temos amigos quando temos (somos) duplos.

Admitamos agora que o duplo não cumpre bem o seu papel, que lhe faltou perícia nalgum momento, que ele mesmo se coloca em posição de risco. Quem irá então socorrer o duplo? Quem será o duplo do duplo? De certo modo, podemos dizer também que essa é a questão central da amizade: quem é o duplo do duplo? Esse é o risco que o "contrato" entre os dois, duplo e actor, nem sempre consegue antecipar.

Acaso sou eu o guarda do meu irmão?

14/09/2009

Aforismos de campanha

O voluntarismo, doença infantil da amizade.

Dois grupos: os amigos e as pessoas de quem gostamos.

Não escolhemos os amigos; somos escolhidos.

Declarações de amizade (II)

Esclarecimento a um email: não interessa se fazemos mesmo declarações de amizade a outro; nem se achamos que somos amigos dele porque "desejamos, sentimos ou nos preocupamos". Tudo isto pode ser muito correcto, mas não resolve o problema principal; não nos alivia da incerteza. O problema que eu formulei antes passa por saber se o meu sentimento de amizade é ou não suficiente para essa amizade nascer e se me basta por isso agir consequentemente como amigo de alguém para me dizer seu amigo.

Num diálogo de Sócrates, Lysis, Platão coloca a questão nos seus devidos termos. Pergunta Sócrates:

So tell me: when someone loves someone else, which of the two becomes the friend of the other, the one who loves or the one who is loved? Or there is no difference?

Boa pergunta. E quando o seu jovem interlocutor vacila entre responder se a amizade começa no momento em que um dos amigos gosta do outro, ou se é preciso que gostem ambos reciprocamente, ou se verdadeiramente amigo é só o que é gostado mesmo que não goste, Sócrates, o subversor de criancinhas, dispara:

Then we are going to be forced to agree to our previous statement, that one is frequently a friend of a nonfriend, and even of an enemy. This is the case when you love someone who does not love you, or even hates you. And frequently one is an enemy to a nonenemy, or even to a friend, as happens when you hate someone who does not hate you, or even loves you.

Bem-vindos pois ao mundo das amizades não recíprocas (se por acaso forem amizades, o que é de facto bastante duvidoso). As amizades não recíprocas são acordos falhados, amizades que ficaram a meio-caminho de ver a luz do dia, destruídas pelo desencontro de vontades. Não há dúvida: o começo de uma amizade implica quase sempre uma interpretação de risco. O risco de não sermos aceites. 

13/09/2009

Declarações de amizade

R. conheço-o há pouco tempo. Moramos no mesmo bairro; encontramo-nos de quando em quando ao café. Conversamos com gosto e tenho empatia por ele. Já pensei: podíamos ser amigos. Pensei também: se já estivemos juntos várias vezes, ainda que por acidente, suponho que chegue para acharmos ambos que somos amigos. 

A partir de quando transitamos da fase do conhecimento para a da amizade? O hábito de duas pessoas se verem ou serem vistas com frequência não pode ser suficiente. Será então quando as duas passam a agir intencionalmente como amigos? Mas como calcular essa intenção, essa espécie de agir performativo, como reconhecer os indícios da amizade? Nos contactos entre eles ou nos contactos com os outros? Se num diálogo com outra pessoa eu me referir "ao meu amigo R." estou a assumir uma intenção que pode até nem ser recíproca. Deverei fazê-lo por defeito? Devo converter todos os meus conhecidos em amigos? E isso não dirá nada de mim?

No amor facilitamos o problema porque fazemos declarações. Mas ninguém faz declarações de amizade. 

11/09/2009

A amizade dos antigos e dos modernos

Tal como se fala numa liberdade dos antigos e numa liberdade dos modernos, também existe uma amizade dos antigos e outra dos modernos.

Um exemplo da amizade para os antigos:

Complete friendship is the friendship of good people similar in virtue; for they wish goods in the same way to each other in so far as they are good, and they are good in themselves.

Aristóteles, Nicomachean Ethics, Book VII

Um exemplo da liberdade para os modernos:

A friend is not somebody one trusts to behave in a certain manner, who supplies certain wants, who possesses certain merely agreable qualities; he is somebody who engages the imagination, who excites contemplation, who provokes interest, sympathy, delight and loyalty simply on account of the relationship entered into.

Michael Oakeshott, On Being Conservative

(Adenda: calma, prezada Plutarca, que já aí vou. Porque há mesmo mesmo diferenças).

Cumprimentos

Em Florença, o meu amigo paquistanês oferecia-me internet a 50 cêntimos mais a bebida que eu quisesse. Sempre que o visitava, ele queria invariavelmente saber como é que eu andava de finanças e saúde. Eu desenrascava-me como podia, usando algumas meias-respostas e meias-mentiras. Nenhuma o demovia. Ia insistindo até que eu respondesse de forma satisfatória.

Na Bíblia Lucas comentava o tempo que os árabes educados perdiam em cumprimentos, uma vez que perguntavam sobre a saúde, a casa e o dinheiro. Na verdade, são mais refinados do que nós estes árabes. Sabem que se um homem anda desesperado nalgumas coisas, está desesperado em tudo o resto.

10/09/2009

Amizade imparcial?

Não é à toa que um juiz está impedido de decidir litígios que envolvem directamente os amigos. A lei presume que nem o mais escrupuloso e incorruptível dos juízes conseguirá ser imparcial nessas situações. E parece-me uma presunção correcta. Se queres ser justo e imparcial, não deves escolher a amizade como forma de vida. Vai antes para a magistratura.

Cowboys


If you wanna talk, you always have the guys at the diner. You don't need a girl if you wanna talk (Diner, Barry Levinson: 1982).

Antidepressivos

O melhor antidepressivo ainda é: três horas de conversa burguesa entre amigos ávidos por dizer a melhor frase da noite.

09/09/2009

A semelhança

Mas, pergunta Sócrates a Plutarco, se são "sombras do tal único amigo possível" que de certo modo também somos nós mesmos, isso quer dizer que toda a amizade é inimiga da diferença? Por outras palavras, toda a amizade supõe um módico de semelhança entre os amigos?

Ensaio sobre a segurança

Se não existe amor completamente seguro nem sexo completamente seguro, como é que podemos achar que na amizade estamos defendidos contra todas as incertezas? Conhecem este lugar-comum: deposito todas as esperanças nos meus amigos. Será verdade? Só mesmo se acreditarmos que a amizade é um bem acima do amor e do sexo. É uma tese possível, vulgarizada por quem enfatiza o carácter desinteressado da amizade por oposição ao lado compulsivo do amor e do sexo. E no entanto, se as coisas fossem assim tão claras, não seria razoável que toda a gente buscasse mais a amizade do que o amor e o sexo? Não seria então normal que as nossas dependências na amizade fossem mais inadiáveis e obrigatórias do que as nossas dependências amorosas e sexuais? Como sabemos, não é isso que acontece; ou acontece bastante menos do que o inverso. Estamos dispostos a tudo ou a quase tudo por amor e sexo; pela amizade, só o que não for desmanchar os outros dois. A amizade é sempre tudo o que resta.

Não há amor seguro nem sexo seguro nem, por razões essencialmente equivalentes, amizades seguras. Ninguém sabe o que vai acontecer. O que está muito longe de ser um mal, acabo aqui.

08/09/2009

Século vinte

The twentieth century has seen almost no theoretical explanation of friendship, no exposition of what it means, no defense of it, or even attack of it.

Problemas da amizade

Nunca pensamos na amizade como problema. Pensamos na família, no amor ou no casamento como problemas. Até nos preparamos para eles, usando a nossa melhor armadura, aprendendo as regras que existem e outras que vamos descobrindo ao acaso. O livro de instruções está em português acessível: uma certa disciplina, uma certa abstenção, um realismo feliz, a lei do sangue, they fuck you up your mum and dad, psicoterapia às terças e quintas, o amor dura pouco mas achei-o tão fungível da última vez, umas vezes és tu que deixas, outras deixam-te  a ti, o romantismo, grande e espectacular invenção do mundo. E que ninguém afirme depois disto que não estávamos avisados. Sabíamos quase tudo. Em 2009, nunca ninguém nos garantiu que não iríamos falhar. 

A amizade é que não; esqueceram-se dela; foi silenciada, diminuída, marginalizada nas consternações, preocupações e amuos da civilização ocidental; não exerce sobre nós o mesmo dramatismo; não convida a termos as antenas todas ligadas. Talvez porque a tomamos como segura, matéria prática que é, achamos que não há muito para dizer; ou talvez porque a amizade não é bem um sentimento mas cosa mentale, um baile de máscaras onde toda a gente está a salvo até das próprias modulações de voz. A amizade ninguém pensa como problema.   

06/09/2009

Teorias da amizade

As teorias da amizade são um obstáculo à amizade. Nunca nos podemos esquecer disso. O excesso de especulação deixa sempre incomodados os nossos amigos que, com razão, não estão interessados em ser cobaias das nossas pesquisas falíveis. Para evitar equívocos e para nossa própria segurança, talvez seja mais prudente pensar que a amizade nunca é o que poderia ser nem o que deveria ser. É apenas o que é ou não é. Os idealistas e os moralistas arriscam-se a ter poucos amigos. 

O conto do tempo



Os sete

Elenco:

O mais antigo e o mais recente; uma mulher, amitié amoureuse; outro com quem não desejo estar mas que vou recordando com agrado; duas amizades masculinas que sempre me divertem; e um amigo que, como sabemos ambos, é em tudo melhor do que eu.

05/09/2009

Sete sombras

De Amicorum Multitudine é um dos ensaios mais breves de toda a Moralia de Plutarco (46-126 dc). Nesse texto de poucas páginas o escritor grego reflecte sobre as amizades que às vezes pensamos ter por muitas pessoas na vida. Plutarco no entanto desconfia. Não devemos nós desconfiar daqueles que multiplicam as suas amizades sem ao menos estarem na posse segura de uma? Já que não conseguem assegurar-se da existência de uma só amizade, o mais certo é acabarem por ganhar medo a uma multitude delas, à semelhança daquele diálogo de Sócrates em que um homem começa a enumerar várias virtudes precisamente por não conhecer uma única sequer.

Ao mesmo tempo, Plutarco reconhece que achamos todos sempre admirável que alguém contemple como maravilhoso ter pelo menos a sombra de um amigo.

                                        If he but have the shadow of a friend

A sombra de um amigo. Algures neste De Amicorum Plutarco também sugere que sete é o número certo de amigos. Sete amigos que são por isso sete sombras. Sombras de quê?