22/09/2009

As duas fidelidades

A primeira vez que encontramos Marco António e Cleópatra, logo no começo da tragédia, ouvimos o julgamento severo dos amigos. Admiram Marco António, recordam os seus feitos, a sua impecável coragem. Mas, ao verem-no num estado epiléptico por Cleópatra, profetizam que essa relação o acabará por destruir. Os amigos temem que Marco António se afaste dos seus deveres e responsabilidades, perdendo-se numa vida de imoderação amorosa, pondo em risco a segurança de Roma. E tudo por um delírio.

Na verdade, esse receio é justificado. Apaixonado por Cleópatra, Marco António subverte num instante todas as suas relações. Há uma cena memorável em que um mensageiro vindo de Roma visita Marco António no Egipto e Cleópatra percebe que ele fica oprimido por receber notícias de Roma, como se estivesse dividido entre duas fidelidades: a sua fidelidade a César (ou à mulher que deixou) e a sua fidelidade a ela, Cleópatra. 

Uma mulher nestas alturas, o que faz? A arte da manipulação, pois claro. Cleópatra, ciumenta, tenta atrair toda a atenção de Marco António. E ele, para a tranquilizar, repete estes versos famosos:

Let Rome in Tiber melt, and the wide arch
Or the rang'd empire fall! Here is my space

Que é como quem diz: Roma que se afunde no Tibre, o Império também se pode lixar e eu, como diz o outro, por aqui fico. Este é o meu espaço. Já não sou Marco António.

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