14/09/2009

Declarações de amizade (II)

Esclarecimento a um email: não interessa se fazemos mesmo declarações de amizade a outro; nem se achamos que somos amigos dele porque "desejamos, sentimos ou nos preocupamos". Tudo isto pode ser muito correcto, mas não resolve o problema principal; não nos alivia da incerteza. O problema que eu formulei antes passa por saber se o meu sentimento de amizade é ou não suficiente para essa amizade nascer e se me basta por isso agir consequentemente como amigo de alguém para me dizer seu amigo.

Num diálogo de Sócrates, Lysis, Platão coloca a questão nos seus devidos termos. Pergunta Sócrates:

So tell me: when someone loves someone else, which of the two becomes the friend of the other, the one who loves or the one who is loved? Or there is no difference?

Boa pergunta. E quando o seu jovem interlocutor vacila entre responder se a amizade começa no momento em que um dos amigos gosta do outro, ou se é preciso que gostem ambos reciprocamente, ou se verdadeiramente amigo é só o que é gostado mesmo que não goste, Sócrates, o subversor de criancinhas, dispara:

Then we are going to be forced to agree to our previous statement, that one is frequently a friend of a nonfriend, and even of an enemy. This is the case when you love someone who does not love you, or even hates you. And frequently one is an enemy to a nonenemy, or even to a friend, as happens when you hate someone who does not hate you, or even loves you.

Bem-vindos pois ao mundo das amizades não recíprocas (se por acaso forem amizades, o que é de facto bastante duvidoso). As amizades não recíprocas são acordos falhados, amizades que ficaram a meio-caminho de ver a luz do dia, destruídas pelo desencontro de vontades. Não há dúvida: o começo de uma amizade implica quase sempre uma interpretação de risco. O risco de não sermos aceites. 

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