Aconteceu-me uma vez rejeitar um amigo. Creio que uma única vez. Uma recusa explícita, por motivos de segurança ou por achar que eu devia estar primeiro. Quando penso nisso, arrependo-me, envergonho-me. Era uma noite de Julho num dos verões longos que passei em Santa Margarida. O meu amigo estava a cumprir serviço militar. Não tinha jeito nenhum para aquilo. Queria ser médico, sentia urgência em tratar da vida. Tímido, medroso, delicado, via-se que lhe custava ter de obedecer a quem supunha abaixo dele. Eu percebi tudo; não foi difícil. Percebi não só como ele era, mas também porque estava em sofrimento num ambiente de falsas patentes e reputações. Percebi aquela ansiedade porque era igual à que eu próprio trazia. Porque ele não era bem ele. Ele era eu.
O mais natural era pois que nos tornássemos amigos, uma vez que gostávamos de estar um com o outro e eu me revia nas suas características. Mas não tornámos. Eu andava nessa altura numa guerra frenética comigo mesmo. Não havia tréguas possíveis. A fraqueza do meu amigo, por ser também a minha, eu não a suportava. Nas poucas alturas de maior intimidade que tivemos entre os dois, desviei-me sempre e abortei qualquer exposição que pudesse vir da minha parte. Aquela amizade pedia tudo ou nada. Ou seríamos íntimos, ou estranhos. Não havia terceiras-vias. Esta rejeição é uma das minhas culpas inapagáveis.
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