Sou convidado para um jantar doméstico. Em casa de R., o meu amigo mais recente. Aqui há tempos, escrevi que não sabia bem se já éramos amigos. Este convite era um indício. Aceitei, claro. Estavam outros amigos dele; reconheci dois; conheci também a mulher. À mesa enchemos conversa: trabalho, política, eleições, regimes semi-presidenciais. Até acabarmos no tema mais ou menos perene em qualquer aglomeração humana num sábado à noite: as relações entre homens e mulheres, o que querem uns e o que querem outras. Ainda há alguma coisa válida para inventar sobre isto?
Não sei. Mas pedi a palavra. Fez-se silêncio súbito, aqueles momentos feéricos de um jantar em que todos se calam ao mesmo tempo e quem estava a falar sente que ganhou uma responsabilidade acrescida e terrível. Citei então um estudo que tinha lido há pouco tempo no "New York Times" que sustentava a tese de que o desejo nas mulheres não é "relacional mas narcisista". Séculos a acreditarmos que o desejo das mulheres está dependente duma esfera de "intimidade" e "confiança" nas relações, quando na realidade o que elas procuram é ser objecto de cobiça "homo-erótica". Tudo mais primitivo e narcisista. Resumindo: o que tu queres sei eu.
Acrescentei, quase a justificar-me, que este era só um estudo académico e eu não podia garantir a sua consistência. De qualquer maneira, assim que me calei percebi imediatamente que tinha surgido uma certa tensão entre R. e a mulher, pelo desconforto evasivo com que ele me ouviu e pelos comentários aprovadores que ela me fez. R. ridicularizou o cientismo barato que tira conclusões não se sabe bem a partir do quê. A mulher recusou tudo o que ele disse.
Não tomei parte. Embora a prudência me recomendasse algum recato, não consegui deixar de pensar: haverá ainda sexo entre R. e a mulher? Ou serão eles outro casamento em declínio, mutilado pelo fim do desejo e por uma revolta surda e crescente como são todas as revoltas femininas? Dois minutos a pensar, até parar de pensar. Chegou o café.
Cada amizade define-se pelas regras de comportamento que cria. Do que não se pode falar, deve guardar-se silêncio. Na minha jovem amizade com R., eu tinha acabado de quebrar o nosso código de conduta.
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