De todas as categorias da amizade, talvez a dos “amigos de infância” seja a mais difícil de enquadrar. É verdade que eles deveriam ser, em certa medida, os nossos amigos autênticos porque souberam resistir à mudança ou mudaram na exacta medida em que nós também mudámos. Tornaram-se, precisamente como nós, amigos apesar da infância ou amigos contra a infância. Contra o tempo e a mudança de estações.
Mas, por outro lado, quantas vezes não conservamos um amigo de infância, não por causa dele, não porque a amizade propriamente resistisse e tivesse razões para resistir, mas porque queremos continuar fiéis a uma certa ideia de infância? Quantas vezes a permanência de um amigo de infância não se explica pela nossa dependência do passado e daquilo que fomos, mas para que na nossa nova condição formada e amadurecida fiquemos em paz com o passado e com a memoria?
Ficar em paz com a memória. As mudanças que nos acontecem na vida são sempre uma perturbação a que assistimos com mais ou menos consciência. O passado conhece muitas maneiras de se intrometer pelo presente. Nunca deixamos de ser o que fomos nem a memória do que fomos. Permanecemos reféns de uma ideia antiga de nós próprios que descobrimos um dia por acaso e na qual continuamos a acreditar por causa de um obscuro dever de coerência.
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